quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O homem por trás da teia dos heróis


Jotabê Medeiros, de O Estado de S.Paulo

Stan Lee está para a cultura pop da nossa época tal como Hieronymus Bosch para o imaginário religioso do século 16. Lee é o criador do Homem-Aranha, Hulk, Capitão América, Thor, X-Men, Quarteto Fantástico e Homem de Ferro, titãs modernos que povoaram a indústria cultural popular a partir dos anos 1960 no mundo todo - de certa forma, substituindo simbolicamente alguns colossos clássicos como Hércules, Medusa, Hidra, Minotauro.

“Você mudou a minha vida e a de milhões de pessoas”, declarou a Stan Lee o baixista e vocalista da banda Kiss, Gene Simmons, durante uma convenção de que ambos participavam, em janeiro do ano passado, no Sundance Festival. A opinião de Simmons já tinha sido compartilhada, em discursos no Carnegie Hall de Nova York, em 1972, por dois insuspeitos fãs do artista: o cineasta francês Alain Resnais e o jornalista Tom Wolfe. Mas Lee nunca foi uma unanimidade: seu mais brilhante parceiro, Jack Kirby (1917-1994), criou um personagem para retratá-lo como “um sujeito exibicionista e mau caráter, sempre enrolando alguém”.

No último dia 28, esse notável criador, admirado visionário e controverso personagem completou 90 anos. A data mereceria destaque, mas foi pouco abordada: o lançamento mais recente ficou, aqui nos trópicos, a cargo do expert brasileiro Roberto Guedes, que não titubeou e lançou um pequeno volume biográfico sobre o artista, Stan Lee, o Reinventor dos Super-Heróis. É um livro modesto, embora ilustrado com critério e com uma pesquisa minuciosa, reproduzindo dezenas de capas de gibis e fotos.

Trata-se de uma biografia escrita sem nenhuma interferência do autor, pelo contrário. “Não é uma biografia autorizada, mas Stan me concedeu duas entrevistas num passado recente, que usei como base para a obra: em 2007, para a revista Wizmania (Panini Editora) e, em 2008, para o meu livro A Era de Bronze dos Super-Heróis (Editora HQM). Ao longo dos anos, também entrevistei outros ex-profissionais da Marvel, como Marv Wolfman, Roy Thomas e Tom DeFalco, cujos depoimentos também deram mais embasamento ao livro”, explicou o autor.


“Especificamente para a biografia, entrevistei dois ex-colaboradores de Stan: os roteiristas Steve Englehart e Gerry Conway, que também atuou como editor-chefe da Marvel. Isso tudo, além da extensa pesquisa a que me dediquei, está transcrito nas páginas da bibliografia.”

Segundo Guedes, o foco foi “tanto no fã de histórias em quadrinhos quanto o leitor ‘normal’, aquele que gosta de ler biografias de pessoas famosas. Por isso evitei termos e expressões que só teriam sentido para os estudiosos e catedráticos. A narrativa é despojada e mostra muito da vida particular de Stan Lee, ou seja, o homem por trás do mito”. Um mito, como o dos personagens, mantido à custa de truques e perucas, conta o autor.

Não são poucas as biografias que existem nos Estados Unidos explorando a trajetória de Stan Lee nos quadrinhos. Muitas delas se detêm nos aspectos mais controversos de sua trajetória de self-made man, como o fato de que não teria sido tão correto em sua relação com muitos colaboradores próximos. Guedes não evita esses pontos, mas deixa clara sua admiração pelo personagem.

Nascido Stanley Martin Lieber em Nova York, em 1922, filho de imigrantes judeus romenos, Lee foi leitor de Poe e Dickens na infância. Seus heróis desafiam o tempo, a ciência, a verossimilhança, o politicamente correto. “Não acho que (desenhar heróis) seja mais perigoso do que ler contos de fada, poesia ou mesmo a Bíblia”, afirmou o artista, que conheceu os nossos Mauricio de Sousa, Álvaro de Moya e Jayme Cortez.

Em 1992, um gibi da sua turma mutantes X-Men vendeu 8 milhões de exemplares. Sempre teve ácida capacidade crítica. Tratou do tema das drogas de forma pioneira, sob encomenda do governo americano. Inspirado no milionário Howard Hughes, ele criou o milionário Tony Stark, alter ego do Homem de Ferro.

Seu fascínio pelos heróis continua forte, assim como seu tino comercial. De olho nos novos mercados dos Brics, Stan Lee lançou em 2011, na Índia, um herói local, Chakra, o Invencível, um adolescente gênio da tecnologia que vive na cidade de Mumbai. Chakra desenvolve um traje especial que ativa os centros de energia místicos (os chacras), e que lhe dá superpoderes. Também se associou a Ringo Starr, dos Beatles, para criar um personagem.

Os primeiros três filmes do Homem-Aranha renderam US$ 2,5 bilhões em todo o globo. Stan Lee ganhou muito dinheiro com isso, tanto amigavelmente quanto na Justiça, já que acionou sua ex-companhia (é presidente de honra da Marvel) para receber royalties. Isso não o afastou das produções, entretanto. São famosas suas participações incidentais, como um Hitchcock dos gibis, nos filmes. No segundo filme, ele surge como um sujeito de bigode e capa que salva uma criança de ser morta por um tijolo, enquanto o Homem-Aranha e Octopus duelam no alto dos prédios. No mais recente, o duelo entre o Lagarto e o Aranha na escola não chega a perturbar o bibliotecário, que nem se liga na destruição. De novo, era Stan Lee.

“Bem, ele está com 90 anos, acabou de passar por uma cirurgia e continua na ativa. Faz suas participações no cinema e TV, cuida da parte criativa de sua empresa multimídia e ainda escreve as tiras de jornal do Aranha. É mais do que muita gente com a metade de sua idade almeja realizar um dia”, diz Roberto Guedes, sobre a permanência do mito de Stan Lee. “Particularmente, eu considero Stan Lee uma instituição viva, uma espécie de Rolling Stones das HQs. Ninguém espera que ele crie mais nada revolucionário, pois já fez tudo que era realmente necessário fazer. Os fãs apenas o querem por perto, ali, nos holofotes, brilhando.”

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