quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Fantasma - por Jô Soares

Fantasma
* por Jô Soares

   Várias calúnias têm sido feitas contra o Fantasma, mas nenhuma tão grave quanto a que escreveu Ernesto G. Laura no seu estudo "O homem branco face ao terceiro mundo, segundo o Fantasma".
   Nesse artigo, é emprestada injustamente ao "Espírito que Anda", uma enorme volubilidade política. Diz o senhor Laura que, em 1936, quando apareceu, o Fantasma era racista e colaborador dos colonialistas ingleses, tratando os nativos de "animais", "bestas selvagens" e mesmo "canibais" (termo, aliás, que em certas circunstâncias, não me parece depreciativo) enquanto que agora funciona como uma espécie de agente das Nações Unidas, ajudando a eleger lideres democráticos. Ora, afirmar esta calunia tenebrosa é dar mostras de crassa ignorância do assunto, ficando patente que o senhor Ernesto Laura não só é mal informado, como desconhece radicalmente a própria história do Fantasma.
   Por que? O Fantasma racista e colonialista ao qual ele se refere não era o Fantasma, mas, sim, o pai do Fantasma. Como se sabe perfeitamente, a saga dos Fantasmas começa a 400 anos, quando um jovem nobre inglês, sr. Christofer, durante uma viagem marítima ao largo do Golfo de Bengala, teve seu navio atacado e viu seu pai degolado pelos piratas. Escapando a nado, chegou a costa africana, jurando então solenemente consagrar sua vida e a de seus descendentes à luta contra o crime e a pirataria, juramento este que se vem transmitindo através dos séculos. Por conseguinte, o Fantasma de 1936 é sem sombra de dúvida o pai do atual Fantasma e por isso mesmo não podia deixar de ter um espírito mais conservador. Quem dentre nós não sente o problema da divergência entre gerações? Porque seria isenta desses choques a dinastia dos Fantasma? Não podemos esquecer que obviamente a visão de mundo dos nossos pais é diferente da nossa, como certamente aos nossos filhos pensarão de maneira diversa, dentro da evolução social da civilização. É bem provável que o filho do Fantasma atual tenha uma vasta cabeleira, por baixo do seu capuz. Os mais céticos poderão dizer que nada disto tem importância, visto que o Fantasma só existe na mente do seu criador Lee Falk, mas eu afirmo: O Fantasma existe. A consciência de 30 milhões de leitores em todo o mundo grita que ele existe e em verdade vos digo: essa corrente mental deu-lhe vida, fazendo com que Falk não seja mais um escritor e sim um historiador.
   O problema que afligem o atual Fantasma, no entanto, são bem mais importantes do que essas divulgações tolas e injuriosas feitas por elementos que não privam de sua intimidade. O "Espírito que anda" deixa seus pensamentos vagarem pela caverna da Caveira em busca da solução para um problema real.
   Devido as evolução das comunidades tribais africanas, tornas –se ás vezes difícil ao mascarado manter sua reputação lendária de imortalidade. Vide a edição americana do "The Phantom" – março n° 21 – publicada por King Comies. Quando, no ultimo quadrinho da pagina 9, o pirata Zecks pede auxilio de alguns nativos para a eliminação do Fantasma, a resposta dos curandeiros rebeldes é: "The sailing one speaks truth ! We must stop the Phantom!", ou seja "Aquele que navega fala a verdade. Nós temos que acabar com o Fantasma", o que demonstra claramente que os ditos curandeiros descrêem (ou estão dispostos a descrê) da eternidade do herói. Há pouco tempo atrás, um africano nunca teria a coragem de colaborar com qualquer atentado contra a integridade física do Fantasmas, não acreditando ser possível a sua destruição.
   A verdade é que vários nativos já se perguntam se realmente o Fantasma não morre o que há por tas de sua imortalidade. Diante disso, o "Espírito que Anda" encontra-se face ao seguinte dilema : reforçar , através de uma imensa campanha publicitária com auxílio da Liga de Feiticeiros de Tripo, a sua aura de imortal, (o que sem dúvida lhe daria revalorização mítica) ou pôr de vez as cartas na mesa e numa entrevista coletiva aos grande chefes, revelar finalmente a sua origem. Se a primeira hipótese oferece grandes atrativos no plano de mistério, tem como ponto negativo o fato do Fantasma poder a qualquer momento sofrer um acidente e ser desmistificado sem nenhuma possibilidade de recuperação. A segunda opção tem a vantagem de mostrar o mascarado sob um enfoque humanista, o que ajudaria a fortalecer o elo de simpatia em torno de sua figura pública, mas por outro lado, poderia instigar algum fanático a eliminá-lo numa emboscada bem urdida, durante uma de suas visitas a alguma tribo distante.
   Estes são os pensamentos que atormentam o "espírito que anda", dentro da sua floresta guarda pelos fieis pigmeus Bandar. Enquanto o dedicado Curan cuida de que nada lhe falta e seleciona com cuidado a ração de Herói, o Fantasma no seu trono afaga com a mão descontraída no s a cabeça de Capeto, tentando decidir se deve ser mito ou realidade. Qual sua a sua opção ? Só o futuro dirá.


Jô Soares em O Estado de S. Paulo dia 10 de outubro de 1968

terça-feira, 10 de maio de 2011

Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond

Um pouco da história do Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond


   Revistas de histórias em quadrinhos, agora raridades, são para os colecionadores um problema. Quem tem revistas antigas não dispõe delas de jeito nenhum. Entretanto, muitos têm duplicatas e trocam por outras que lhes faltam. Há também os comerciantes de revistas antigas. Então, reunindo esse pessoal todo, há revistas para todos. Para quem quer comprar, para quem quer vender e para quem quer trocar.

   Foi pensando assim, que em 12 de outubro de 1965, Edson Rontani resolve fundar o Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond, a primeira entidade do gênero no Brasil. "Alex Raymond" em homenagem ao ás do desenho da década de 30, criador de Flash Gordon, Jim das Selvas, Agente Secreto X-9 e Rip Kirby (Nick Holmes para nós, brasileiro).

   Foi difícil formar o Intercâmbio. Onde achar elemento humano ? Era ficção ... Colecionadores de outras partes do Brasil, onde ? O número de pessoas que colecionavam gibis era pequeno. Foi um tal de recorrer aos amigos, procurar nomes nos mercados de revistas, pegar nomes de leitores que escreviam cartas para as editoras (que eram publicadas nas revistas antigas), e muitas dessas pessoas já eram falecidas. Enfim, depois de árduo trabalho, muitas cartas retornando ao remetente, por mudança de endereço, ou falecimento do colecionador, mesmo assim, de início conseguimos 189 nomes de pessoas que se dedicam às histórias em quadrinhos, dentre elas desenhistas e argumentistas.

   De mangas arregaçadas, com o pensamento firme de levar avante essa nossa iniciativa, o Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond tem em seus arquivos hoje nada menos que mil nomes de colecionadores cadastrados.

   De início, lançamentos um boletim informativo e noticioso sobre HQs, de nominado FICÇÃo, n° 1 - outubro de 1965 (vide referência na contra-capa da revista Superman BI n° 6 de janeiro de 1966). Este boletim circulou em 14 números, de 1965 a 1972.

   Em 1973, Edson Rontani resolveu editar uma coisa melhor e com maior número de páginas, editando uma revista denominada FANZINE, comentando todas as revistas vbrasileiras, em todoso os números e analisando herói por herói. A repercussão foi agradável.

   Edson Rontani sempre foi e é até hoje um dos grandes entusiastas das histórias em quadrinhos. Seu nome consta na Enciclopédia COMICS, da "The Graphics Press", de Zurich, Suíça, e diversas outras publicações brasileiras e portuguesas.

   Na década de 40 e início dos anos 50, Edson Rontani foi muito perseguido pelo clero. Depois de um trabalho seu sobre as histórias em quadrinhos no "Diário de Piracicaba", que tomava o espaço de quase meia página de cinco edições, os padres passaram a persegui-lo pois os gibis eram tomados como revistas do diabo, na década de 40 e início da de 50.

   Fato curioso ocorreu com o sr. Edson Rontani, advogado, embora não exerça a profissão, no tempo de ginásio. Não era permitida sua presença nas aulas de religião que eram lecionadas por um padre na cidade de Piracicaba. O referido padre achava que os jovens podiam ler apenas a revista "O Jornalzinho", publicação católica editada pela Pia Sociedade de São Paulo.

   Mas, eis que em meados da década de 50, "O Jornalzinho" , publicação necessariamente católica, passa a publicar histórias em quadrinhos de faroeste, puro "bang-bang" : "Steve Davson em luta contra o crime", "Cavaleiros da noite", com o polícia montada Tim Warren (história já publicadas em 1940 em livretos da "Biblioteca das Crianças", da Edições e Publicações Brasil Editora, de São Paulo), histórias esses tanto combatidas. E seguiram outras, "Homens sem Fronteiras", "O Vale da Morte", "Vingança Inútil", etc. etc.

   Chegara a hora da desforra. Não cabia na pequena cabeça do jovem Edson Rontani, anteriormente ser dispensado, ou melhor, proibido de assistir as aulas de religião por divulgar as histórias em quadrinhos, agora a própria imprensa católica publicava aquelas histórias consideradas do diabo, do capeta, como diziam na época.

   A justiça tarda mas não falta. O sr. Rontani tomou o trem da Cia. Paulista (ônibus naquele tempo nem se falava, pois novas estradas não eram asfaltadas), dirigiu-se até São Paulo, e na capital adquiriu, na Praça da Sé, diretamente da Pia. Sociedade S. Paulo, um lote de "O Jornalzinho". Retornando á Piracicaba, não houve dúvidas, mandou entregar um saco cheio de "O Jornalzinho" com a histórias em quadrinhos de faroeste, bang-bang, etc.

   A história em quadrinhos desde o seu aparecimento, sofreu severas perseguições, entretanto, ela se impôs, já que destruí-la seria negar a verdade do desenvolvimento do mundo. A história em quadrinhos é um invento deste século. E como todos os inventos, têm sua oposição.

   Através de uma história em quadrinhos, se pode elevar a moral de uma nação, como assim também elevar o valor cultural dos "povos que não têm tempo", e não se preocupam em aumentar seus conhecimentos culturais.

   A ilustração ajuda a compreender. Nos Estados Unidos há muito tempo, os escolares e universitários já aprendiam mais histórias e outras matérias através de uma história em quadrinhos, do que áridos textos.

   As histórias em quadrinhos não fazem mal nem fazem bem. Elas são nada mais que decorrência de uma época - tão lógicas e naturais neste século quanto um avião a jato cruzando os céus ou um aparelho de televisão em nossas casas.

   Dize que a leitura de uma revistas de histórias em quadrinhos conduz à delinquência é uma conclusão apressada, que os fatos não afirmam. O caráter não se forma pela leitura, mas pelas condições de vida e pelo exemplo. Terá mau caráter a criança que não possuir um lar, que não receber carinhos e conviva ao léu, no seio de uma sociedade que lhe é feita de madastra. Num inquérito procedido na Cada de Correção de Porto Alegre sobre as condições de família dos deliqneutes, foi apurado o seguinte resultado, num total de 678 presidiários : sem pai 21,4%, sem mãe 10,3%, adotivos 18,2%, abandonados 13,6%, pais alcoólotras 12,5%, pais desajustados 8,1%, abrigo de menores 12,4%, lar aparentemente normal 3,5%. Total 100%.

N.E.: este texto foi originalmente escrito em máquina de escrever e impresso em mimeógrafo a álcool (o segundo de nosso Intercâmbio) nos anos 80 por Edson Rontani. O final não consta do texto original, mas promete que vasculhando meu arquivo encontrarei-o e colocarei a disposição de sua leitura aqui.

domingo, 8 de maio de 2011

A HISTÓRIA DOS SAUDOSOS QUADRINHOS DA LA SELVA



   De uma modesta casinha na rua Pedro de Toledo, em Vila Mariana, lembraria no ano passado, pouco antes de morrer, o grande artista português Jayme Cortez, saíram algumas das melhores revistas de quadrinhos do Brasil, produzidas pela Editora La Selva.

   Entre outras, "Terror Negro", "O crime não Compensa", "Dick Peter", "Sobrenatural – Mistérios do Alem", "Gato Félix", "Arrelia e Pimentinha", "Flash Gordon", Oscarito e Grande Otelo", "Jim das Selvas". Nenhuma dessas revistas circula mais, mas, aqueles privilegiados que liam todas elas, nos anos 50 e 60, ainda lembram com carinho e curiosidade da Editora La Selva. O que terá acontecido a essa gente?

   Foi para matar as saudades dessa época que Maria Souza  Almeida La Selva, mulher de Jácomo Antônio La Selva, uns do quatros filhos do fundador da editora, Vito La Selva, concordou em conversar longamente com um dos antigos funcionários da casa, Reinaldo de Oliveira, num paciente e terno trabalho de reconstituição da historia da editora e de seus produtos mais  famosos. O resultado é um livrinho de leitura gráfica modesta (Editora Sublime, 86 páginas), mas cheio de informação e dados curiosos, além de passagens comoventes, sobre o surgimento e depois o crescimento da Editora La Selva.

   Reinaldo, diz dona Maria, tinha de fato todas as condições para armar esse quadro histórico da editora, pois foi o primeiro secretário de redação da La Selva, conhecendo muito bem todos os momentos de luta e alegria que costumam marcar esse tipo de empreendimento num país como o Brasil, onde o negócio editorial ainda é coisa de gente paciente e incansável.

NA ESCOLA DA RUA

   Jácomo Antonio La Selva, lembra Reinaldo, filho do jornaleiro italiano Vito Antonio La Selva, nasceu no Brás, e cedo aprendeu a dividir seu tempo entre o Grupo Escolar Romão Pulgarri, na avenida Rangel Pestana e a venda de jornais nas ruas da cidade. Corriam os anos 30, e Jácomo mais tarde contaria como eram os meninos jornaleiros da cidade, "lépidos, vivos, gritalhões, corriam para todos os lados e pulavam de bonde em bonde, apregoando as folhas com entusiasmo, de modo a exagerar escandalosamente a importância da notícia e até a deturpar-lhes o sentido, na ânsia incontida de empurrar toda a mercadoria". O nome La Selva ficando conhecido, ao lado de outros do ramo, todos peninsulares como ele - Zambardino, Labate, Siciliano, Pelegrini, Modesto, Mastrochirico.

   Foi nas ruas que ele, com os irmãos Paschoal, Antoninho e Estevão, aprendeu Todos os truque do oficio de vender bem o produto editorial, chamando a atenção do leitor. O velho Vito, mais tarde começou também a distribuir publicações, e logo abriu sua portinha no centro da cidade, outra vez ao lado dos conterrâneos – Polano, Scafuto, Annunziato  , Soave. Foi o sucesso na distribuição de uma revista montada por argentinos, "Bom Humor", quinzenal, chegou a vender 45 mil exemplares , que estimulou Vito a abrir sua própria editora, La Selva, começando timidamente com uma pequena revista, "quase um panfleto", "Seleções de Modinhas","Instintivamente", diz o autor Reinaldo de Oliveira, os La Selva, "acostumados a trabalhar diretamente com o publico, sabiam que uma capa bem colorida ajudava a vender o conteúdo."

O GRANDE SUCESSO

   A grande  oportunidade, porém viria nos anos 50, com o surgimento da revista "Terror Negro", lançada com grande  sucesso no ano seguinte, tendo como diretores os irmãos Jácomo e Paschoal La Selva, e secretário Reinaldo de Oliveira. Era a primeira revista do Gênero terror publicada no Brasil, com histórias completas, e seu aparecimento, lembra Reinaldo "obedece a uma escala , crescente do próprio gênero no país ", na verdade aproveitando inteligentemente o sucesso desse tipo de histórias – os "terror tales" – nos Estados Unidos.

   Com o sucesso de "O Terror Negro", a Editora La Selva, começou a crescer e "a precisar de colaboradores. Os primeiros foram Gedeone Malagola, Francisco Oliveira, João Batista Queiroz e, logo depois, Álvaro de Moya, Sillas Roberg, Jayme Cortez, Miguel Penteado" e caberia ao português do Bairro Alto de Lisboa, Jayme Cortez, fazer grande revolução nas capas da editora, sobretudo em "O Terror Negro". Até então as capas das revistas da La Selva eram desenhadas pelo pintor Waldemar Cordeiro. Foi preciso muita conversa para convencer os La Selva a dar uma oportunidade a Jayme Cortez, pelo menos um trabalho experimental. "A capa dele era tão espetacular, com um senso popular e apelativo tão grande que o resultado não poderia ser outra. Tomou conta!".

ATÉ OS DIAS DE HOJE

   Em 1951, a Editora La Selva continuava crescendo: publicava 28 revistas mensais , com uma tiragem de um milhão de exemplares, distribuídos pelo Fernando Chinaglia Distribuidora. Era preciso então ter gráfica própria, que foi comprada na rua Carneiro Leão, no Brás. O velho Vito, já cansado, preferiu se aposentar, deixando a Editora aos cuidados dos filhos Jácomo, Paschoal, Antoninho e Estevão. Em 1960, deu-se uma cisão na empresa,e na editora ficaram Paschoal e Antoninho. Jácomo e Estevão saíram. Em 1968, com a morte do velho Vito, a viúva passou a dirigir os negócios, "até a dissolução da firma e venda das máquinas".

   Mas o negócio editorial, diz Reinaldo de Oliveira, "não foi abandonado pela família. Estevão  La Selva, o mais novo dos irmãos, montou sua própria firma,a Editora e Gráfica Trieste, reiniciando a publicação de várias revistas, incluindo o antológico " Terror Negro".Jácomo La Selva também  fundou seu negócio, a Editora Sublime, que edita revistas eróticas, "Fiesta" e "Mini", entre outras. Agora Jácomo  está diversificando seus negócios, investindo no ramo turístico.

   Seja como for, observa Reinaldo de Oliveira, dentro ou fora do ramo, os La Selva podem se orgulhar, ao lado de Adolfo Aizen, da Ebal-América, Roberto Marinho de O Globo, e do começo da Editora Abril, sob o comando e Vitor Civita, de terem sido os grandes pioneiros das histórias em quadrinhos no Brasil. Com uma vantagem sentimental, quem sabe, para a Editora La Selva, que antes da solidificação gráfica e editorial de Aizen, Civita e Marinho, fazia um produto mais tosco, é verdade, mas muito mais saboroso.



 

                        A família La Selva : Jácomo, Antoninho, Paschoal e Estevão


(Matéria publicada na Folha da Tarde, São Paulo, no início dos anos 90)

As histórias em quadrinhos fazem bem ou mal ?

30 de janeiro - Dia Nacional dos Quadrinhos

As histórias em quadrinhos fazem bem ou mal ?

* Edson Rontani (in memorian)

   As histórias em quadrinhos, desde o seu aparecimento,sofreram de severas perseguições. Entretanto, ela se impôs, já que destruí-la seria negar a verdade do desenvolvimento do mundo. As histórias em quadrinhos foram um invento que muito influenciou no século XX. E, como todos os inventos, teve a sua oposição.
   Através de uma história em quadrinhos, se pode elevar a moral de uma nação, como também elevar o valor cultural  dos "povos que não têm tempo", e não se preocupam de aumentar seu conhecimentos culturais.
   Nos Estados Unidos, por exemplo, os escolares e universitários aprendem mais história e outras matérias através de uma historieta em quadrinhos do que em áridos textos.
   De todo o conhecimento humano obtido, 87% dele se adquire por meio dos olhos.
   Para melhor compreensão do poder encerrado em uma história em quadrinhos, citaremos um comentário publicado na revista americana New Age Magazine:
   "Não se pode negar o poder magnético das histórias em quadrinhos, entre os meninos, jovens e adultos. Se alguém duvida, que observe a porção de periódicos que são lidos por passageiros em trens, ônibus e qualquer outro coletivo. Assim mesmo, que pertence aos administradores de seções de anúncios dos jornais diários e ouça com que eloqüência se expressam o poder tão atraente das tiras das histórias em quadrinhos e seus predicados tão horríveis acerca do que sucederia à circulação se chegassem a suprimir as histórias em quadrinhos".
   A atual geração, com vida motorizada da manhã à noite, com os transportes superapinhados, com rádio, o cinema ou a televisão a todas as horas, não consegue ver para a leitura de uma parte sequer daquilo que já há mais de dois mil anos os nossos antepassados vêm alinhavando ... E daí ? É mais fácil acabar com o progresso e a civilização do que se adaptar às circunstâncias ? Não !
   As histórias em quadrinhos nada mais são do que "o mal de uma época...". Isso, porém, se levarmos em conta  que tudo que aí está é parte desse "mal"...
   As histórias em quadrinhos não fazem mal nem fazem bem. Elas são nada mais do que decorrência de uma época – tão lógicas e naturais quanto um avião a jato cruzando os céus ou uma televisão com antena parabólica.
   A gênese das histórias em quadrinhos vem de longa data. Talvez mesmo na Idade da pedra, quadro os trogloditas, de marreta em punho, riscavam nas pedras as figuras de bisonte ou de um mamute. Nada mais faziam do que deixar, em quadrinhos, uma história para a posteridade. Mais tarde foram os egípcios com certa arte e muito bom gosto, em baixos-relevos de enorme beleza. Quanta história não gravaram os filhos do Nilo para as gerações futuras.
   As histórias em quadrinhos, na imprensa, correspondem à uma evolução no jornalismo. Com os tipos móveis de Guttemberg, veio à máquina de impressão e, com a máquina datilográfica, uma série infindável de progressos.

* o autor colecionou por mais de 50 anos histórias em quadrinhos. Matéria originalmente publicada em A Tribuna Piracicabana no dia 4 de dezembro de 1993